O Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos), da Polícia Civil de São Paulo, pediu à Justiça o sequestro de bens do contador João Muniz Leite por suspeita de lavagem de dinheiro do crime organizado. A denúncia afirma que ele e a mulher ganharam 55 vezes em loterias federais no ano passado, tendo dividido o valor de um dos prêmios com um traficante de drogas ligado ao PCC (Primeiro Comando da Capital).
Muniz foi contador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sendo responsável pelas declarações de Imposto de Renda dele entre 2013 e 2016, conforme demonstra a reportagem do Estadão publicada nesta quinta-feira (16).
O atual escritório do investigado se localiza no mesmo endereço em que Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho de Lula, mantém as empresas FFK Participações, BR4 Participações e G4 Entretenimento, de acordo com dados da Junta Comercial de São Paulo. A denúncia do Denarc não menciona o ex-presidente e seu filho, há apenas a coincidência de endereços.
O prêmio recebido por Muniz e dividido com um traficante do PCC foi de R$ 16 milhões, segundo a Polícia Civil. O fornecedor de drogas citado na denúncia é Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, um dos nomes de maior prestígio na organização. Ele foi morto em dezembro de 2021.
O prêmio foi dividido em cinco partes: duas ficaram com Muniz e três com Cara Preta. De acordo com o Denarc, é possível que os valores tenham sido usados pelo traficante para comprar a empresa de transportes UPBus em parceria com cinco integrantes do PCC mais 18 familiares de membros do grupo criminoso. A companhia mantém um contrato de R$ 600 milhões com a prefeitura da capital paulista, operando 13 linhas de ônibus na zona leste.
As investigações mostram que a mulher de Muniz, que não teve o nome revelado, ganhou 49 vezes na loteria – totalizando R$ 2,16 milhões em prêmios. De acordo com o delegado Fernando Santiago, ela chegou a ter prejuízo em algumas situações. O policial cita uma oportunidade em que ela gastou R$ 480 mil e ganhou R$ 330 mil. Em outra, a aposta foi de R$ 114 mil e rendeu um prêmio de R$ 62 mil.
Muniz ganhou R$ 34,1 milhões em seis ocasiões. Em duas oportunidades, os prêmios foram de R$ 16 milhões. Mas ele também chegou a perder dinheiro em apostas. Em uma das vezes, ele apostou R$ 662 mil e ganhou R$ 425 mil. Em outra, a aposta de R$ 84 mil rendeu R$ 74 mil. Pelos valores envolvidos, a polícia suspeita que os prêmios da loteria serviam para “esquentar” dinheiro ilícito. Há indícios de lavagem de dinheiro com os valores recebidos.
O contador também teria ajudado o traficante Santa Fausta a abrir empresas com nomes falsos. A reportagem do Estadão cita uma com o nome de Eduardo Participações Patrimoniais.
O caso tramita na 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Dinheiro da Capital, responsável por decretar ou não o bloqueio dos bens de Muniz. A Justiça negou o pedido de prisão dele. O Ministério Público de São Paulo concordou com o pedido do Denarc.
A reportagem do Estadão informa que Muniz atua como contador de confiança da família de Lula há mais de uma década. Ele chegou a prestar depoimento à polícia em dezembro de 2017 durante apuração sobre comprovantes de quitação de aluguel que foram entregues pela defesa do ex-presidente à Justiça Federal.
A denúncia do Ministério Público Federal sustentava que a construtora Odebrecht pagava o aluguel de um apartamento vizinho ao de Lula em um edifício em São Bernardo do Campo, em São Paulo. A investigação indicava que o ex-presidente tinha o imóvel à disposição. O apartamento pertencia a Glaucos da Costamarques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai, réu confesso na operação Lava Jato, que mantinha proximidade com Lula.
O então juiz do caso, Sergio Moro, descartou a hipótese de que os recibos fossem falsos, mas a Procuradoria declarou que eram frios, mesmo não tendo sido fabricados – o que indica que Lula nunca pagou o aluguel do apartamento. As provas foram anuladas e o processo acabou arquivado depois da decisão da Justiça que tornou Moro suspeito.
Muniz estreitou as relações com a família de Lula depois do caso sobre o aluguel, segundo a reportagem do Estadão. A proximidade aumentou em novembro de 2019, um mês antes da Operação Mapa da Mina, fase da Lava Jato que apurou contratos milionários da companhia de telecomunicações Oi com empresas de Lulinha.
Foi naquele período que o filho do ex-presidente rompeu a sociedade que mantinha com Jonas Suassuna. O empresário era dono do sítio Santa Bárbara, em Atibaia – que rendeu condenação a Lula na Lava Jato, mas também teve provas invalidadas.
Após romper a sociedade, Lulinha transferiu a sede da empresa BR4 Participações para a rua Cunha Gago, 700, conjunto 11, em Pinheiros. É nessa localidade que estão outras duas empresas do filho de Lula e cujo endereço é utilizado também por Muniz. As três companhias de Lulinha têm capital de R$ 4,3 milhões.
No local, o contador mantém uma empresa de venda de equipamentos de informática desde 2017, a CDigital Network Security. Outras cinco empresas de Muniz já foram registradas com endereço no mesmo prédio, cinco andares acima.
A reportagem do Estadão esteve no local nesta quarta-feira (15), mas não encontrou Muniz nem a defesa dele. O veículo procurou a assessoria de Lula, a defesa do ex-presidente e a de seu filho. Defensor de Lula, o advogado Cristiano Zanin Martins disse não saber se o contador ainda presta serviços para seu cliente. O criminalista Fábio Tofic, que defende Lulinha, não se manifestou.
A defesa da família Santa Fausta e dos demais integrantes do PCC investigados pelo Denarc não foi localizada pela reportagem.
A reportagem apurou que o traficante Anselmo Santa Fausta teria usado o nome falso de Ubiratan Antonio da Cunha para adquirir a empresa de ônibus UPBus. Outros três membros da cúpula do PCC eram acionistas da empresa, que foi alvo de operação do Denarc em 2 de junho último – quando foram cumpridos 62 mandados de busca e apreensão e os policiais apreenderam celulares, computadores, documentos, dois fuzis, pistolas, revólveres e grande quantidade de munição.
As investigações mostram que Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, Cláudio Marcos de Almeida, o Django, e Décio Gouveia Luis, o Português, eram sócios de Santa Fausta e são acusados de compor a cúpula da facção. Outros dois integrantes do grupo, Alexandre Salles Brito, o Xandi, e Anísio Amaral da Silva, o Biu, foram identificados como sócios da empresa.
A Polícia Civil de São Paulo começou a apurar o caso depois do assassinato de Santa Fausta, em dezembro de 2021, segundo o delegado Fernando Santiago, da 4ª Delegacia do Denarc. Na ocasião, o traficante estava com Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, que também foi morto.