Reportagem publicada originalmente no Jornal da Metropole em 1º de dezembro de 2022
Quantos dias de silêncio bastam pra que o diálogo se perca pra sempre entre pais e filhos? Quantos pedidos de atenção são negligenciados antes da desistência? Quantas pistas óbvias nunca foram notadas, quantas foram minimizadas e quantas escolhas foram conscientemente mal feitas antes da trágica constatação: meu filho é um monstro?
Na última sexta-feira (25) um adolescente de 16 anos levou a cabo o plano que vinha sendo arquitetado desde os 14. Pegou o carro e as armas do pai policial, vestiu uma suástica no braço, cobriu o rosto e foi matar pessoas numa escola onde havia estudado. Descarregou e regarregou as armas, matou duas professoras e feriu várias pessoas.
Pegou o carro, foi pra outra escola e fez tudo de novo. Ali, matou uma menina de 12 anos e feriu mais pessoas. Voltou pra casa, guardou as armas. Os pais chegaram, comentaram a notícia que já tomava conta da cidade. Ele reagiu como se não soubesse. Foram pra casa de praia, almoçaram, até que a polícia chegou, trazendo a notícia. “Seu filho é um monstro”.
Nada nessa história é simples e é difícil dizer onde ela começa. Se no fácil acesso às armas em casa (uma estava na gaveta, coberta por roupas), se no bullying que o pai alega que o filho sofria na escola, se na leitura do livro de Hitler, ‘Minha Luta’, um manual de ódio que o atirador ganhou de presente do pai. Aliás, se seu filho é um adolescente sem amigos que sofre bullying, é de se admirar que presenteá-lo com a autobiografia de Adolph Hitler tenha parecido uma boa ideia.
Mas chama a atenção o fato de que durante dois anos ninguém tenha percebido os planos do adolescente. Na escola, não havia nenhuma anotação que não fosse do aspecto pedagógico. Nem a braçadeira da suástica acendeu um alerta - ou talvez isso fosse algo natural em casa. O menor teve espaço, tempo e frieza suficientes pra colocar seu plano assassino em prática sem intervenções.
PRECISAMOS DE UMA REVOLUÇÃO
Um dos outros lados dessa tragédia é o de Selena Sagrillo, menina de 12 anos atingida no peito por um dos tiros, e que morreu na hora. No dia seguinte à morte da filha, sua mãe, Thaís, escreveu uma carta, pra tentar entender o que tinha acontecido. "Sentada em meio ao pequeno caos criativo” que era o quarto de sua filha, Thaís escreveu:
“Que a partida da Selena seja o início de uma nova revolução, assim como ela gostava, mas uma revolução baseada no amor e segurança para nossas crianças de todas as etnias, regionalidades, classes sociais e crenças."
E sim, esta é uma revolução necessária. Este caso não é isolado no Brasil. Nos últimos 20 anos, 15 ataques a escolas foram registrados. 40 pessoas morreram nesses massacres e 67 ficaram feridas. Só em 2022, o caso de Aracruz foi o quarto. Outros três já tinham acontecido no Rio de Janeiro (RJ), Barreiras (BA) e Sobral (CE).
Há algo em comum entre esses 20 episódios, além do fato de terem acontecido dentro de escolas. Todos foram levados a cabo por homens jovens, ou meninos. Em alguns casos o bullying estava entre os motivos que levaram às tragédias, em outros, como no caso de Caraí (MG), o adolescente queria se vingar de uma jovem que não quis se relacionar com ele. Ele levou uma pistola e um facão para a escola, incendiou mochilas, atirou e feriu duas pessoas.
Se não dá pra dizer em que momento essas tragédias começam, não há dúvidas de que todos ao redor desses atiradores estavam dispersos demais pra perceber que havia algo errado ali.
Quantos dias de silêncio bastam pra que o diálogo se perca pra sempre entre pais e filhos?